27 de jun. de 2011

Drummond sempre me recebe como se deve!



 (Arquivo pessoal: contemplando a vista de minha casa - 26/06/2011)
 
 
"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência
egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos
também a felicidade." (Carlos Drummond de Andrade)


Chega o dia de viajar. O objetivo? - Ir de encontro aos braços de minha mãe e de meu pai. Como é bom sentí-los! A energia emerge como um vulcão. Grito esbaforido: - Que venham os dias, as noites e as madrugadas, estive em braços que envolvem e com respirações sincronizadas! De volta ao meu humilde aconchego, deparo com meu apartamento ainda desolado pelos últimos encontros ali realizados. Resolvo abrir meus emails e me deparo com um texto de Carlos Drummond de Andrade postado por minha amiga Zélia (obrigado por esse norte):

"Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa
entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um
cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar."

OBS: Percebo que as casas de minha vida são assim... repletas de gozo, de trilhas intermináveis, de emoções e um amor sublime que reconhece seu lugar. Ao chegar em qualquer uma delas, por mais voraz que seja a vontade de arrumá-la de imediato, sempre bate aquele desejo de novamente curtir o deleite do que ali foi dito, feito e aprendido.

14 de jun. de 2011

Descreve meus olhos, meu corpo, meu porte...

Houve um tempo em que a descoberta para a arte do desenho manifestou-se e trouxe a surpresa da capacidade de colocar através dos traços o que enxergava-se no cotidiano. Foram inúmeras gravuras formadas que hoje habitam algum lugar desse mundo, ou não habitam mais, simplesmente desapareceram. O certo é que o dom emergiu e trouxe consigo uma capacidade de olhar pelas frestas e descobrir algo maior. Então veio um convite: criar em um palco, como forma de celebração, um rosto feminino em uma tela de papel de tamanho natural. Colocar nesta tela uma expressão feminina ao mesmo tempo que uma melodia compassada e singela era tocada nas cordas de um violão sob meia luz. Desafio lançado, nervosismo posto, taquicardia instalada. Para surpresa não houve exitação ou ao menos incertezas. Aceitação imediata. A música foi apresentada e ao mesmo tempo que tal melodia ecoava pelos seus ouvidos a idéia dessa mulher foi surgindo em sua mente. Seus traços. Sua identidade. Seu jeito de sentir. Uma melodia simples, porém com letra forte onde a descrição feminina foi o marco para que o trabalho pudesse ser mostrado. O dia certo chegou, o foco de luz iluminou o suporte com a tela de papel, os primeiros acordes do violão foram dados. Pausadamente ouviu-se passos até a tela. A mão, que agora tremia, pegou no grafite alojado no suporte e iniciou-se na criação e na transfiguração dessa mulher que a cançao descrevia. A platéia estava em silêncio, o ambiente proporcionava uma acústica providencial para o contexto, onde voz e violão deixavam a mensagem a ser proferida de forma clara e precisa, ao passo que os traços dessa mulher eram erguidos no painel. A imaginação era imensa, os sentimentos exalados faziam com que os pensamentos viajassem por terras já percorridas e que no momento tranfigurava em forma de saudade. Afastou-se um pouco do painel, percebeu que essa mulher precisava de cor, pegou o bastão de cera e atreveu-se a evidenciar a boca, os olhos, trazendo para essa mulher tranfigurada para o papel a cor merecida para o momento. Ao final da melodia o registro desse autor foi cravado ao pé direito na porção inferior da obra. O momento encerrou essa modesta obra, porém de grande repercussão e dotada de sentimentos para um jovem de apenas 10 anos de idade.


(Arquivo pessoal - foto tirada em 1992 - Teatro do Colegio Imaculada Conceição - Barbacena MG)


OBS: Encontei um video no Youtube com a música descrita no texto. Não é uma grande produção, mas consolida bem a intenção de mostrar a canção que há tempos ficou em minha cabeça. Graças ao eficiente recurso tecnológico de hoje pude saber depois de tanto tempo, apenas escrevendo umas frases da melodia na internet, sobre seu compositor (Padre Zezinho). O violonista citado no texto era Rodrigo Nézio, hoje integrante da banda Duocondé Blues. (Boas lembranças!).











13 de jun. de 2011

Sob o Sol de Toscana - ponto de vista sobre o sofá!


(Arquivo pessoal - foto tirada em Sítio de Estivas. Uma das tentativas de bricar de ser um fotógrafo)


Há algum tempo que estou reservando um momento para ver um filme que está em minha posse: "Sob o Sol de Toscana (filme de Audrey Wells) - emprestado por minha querida Rosemary. Esse momento chegou em pleno sábado desse ano corrente, mais especificamente dia 11 de junho. Acabei aprontando todo um aparato para aquecer o corpo devido a baixas temperaturas que advém da proximidade com o início do inverno. O fato é que o filme apresenta uma singularidade no quesito comédia, com cenas leves e gostosas do cotidiano de uma pessoa. E mostra com clareza a necessidade de não fazer nada de alguns e a importância que outros dão em fazer algo fora dos padrões impostos pelo projeto de vida. Uma metáfora marcante no filme é quando a personagem principal questiona que não aparece nada em seu caminho e uma amiga lhe narra um conto mais ou menos assim: "Quando eu era criança ia para o jardim procurar joaninhas e eu não as encontrava, até que eu adormecia no jardim e quando eu acordava elas estavam todas em cima de mim". Evidenciando de forma sutil e lúdica a importância de parar para que o mundo tenha oportunidade de vir até você. Outro momento incessante é a narrativa de um aluno rebelde sobre os direcionamentos que sua então professora lhe trazia: "Terríveis idéias são como maus alunos no colégio, com o devido encorajamento eles se tornam gênios". As vezes as idéias ditas loucas de nosso rotineiro momento pode ser a grande salvação para que tudo não fique estático ou melancólico no percorrer dos trilhos. É realmente incrível pegar péssimas idéias e desenvolvê-las com o devido cuidado e direcionamento (esse blog que o diga!). Até que em um breve momento aparece uma citação de Fellini: "Você deve viver esfericamente em várias direções. Nunca deve perder o entusiasmo infantil e coisas boas lhe acontecerão". Nada mau, se pensarmos que podemos ser uma roda gigante, uma roda de carro em alta velocidade ou simplesmente uma bola de boliche (eu precisamente vomitaria, uma vez que rodopios me deixam enjoado). Mas deixando esse pensamento fortuito de lado, Fellini aparece no filme sobre forma de citação e recompõe a narrativa da forma como convém um desvairado apaixonante. E tudo é transmitido com esse tom. Há momentos de dor, alegria, euforia e surpesas adivindas dos ensinamentos passados e sentidos em cada contato, em cada olhar sugerido ou gestos que emergem de forma desprentenciosa e que constroem todo o espaço de conflito. É grande a identificação com os personagens, com o cotexto, seja na vontade de fugir para uma Toscana de forma inusitada a procura da simplicidade bem composta ou da criança que corre freneticamente e de forma sempre esférica. Quando a exaustão vem ela caí na grama, sem preocupação com o que pode emergir com esse ato, adormece e percebe as joaninhas alojando em suas idéias que ainda que na verdade mostram-se terríveis para alguns, mas já não são tão temerosas no leito de sua criação. Nesse momento do filme o frio não mais arde, e o sofá tornou-se aconchegante e tranquilo. Meu olhar está fixo na trama apresentada e a mente está aberta para as possibilidades propostas a cada cena. Os sonhos retornam, os passos já dados transitam com minhas próprias lembranças e os "pensamentos terríveis" de uma criança, retornam novamente e evolvem o cotidiano sem ao menos supor que um encorajamento recria-se no inconsciente. Quando tudo acaba, adormeço, eis aí o meu jardim surgindo de forma simbólica. Agora, é só aproveitar. Bom filme para vocês também. 


OBS: Minha amiga, muito obrigado por ter insistido em me emprestar o filme. Obrigado por emergir de forma esférica e me fazer rodopiar as vezes, apesar dos enjoos. BJS!

6 de jun. de 2011

Pergunta: Onde faz sempre bom tempo? Resposta: Na própria avidez transbordante do tempo!

(Arquivo pessoal - Foto tirada no Sítio de Estivas - 2010)


Depois de muito tempo o tempo retorna querendo mais. Não vejo muito claro os traços desse novo encontro, mas percebo a indiferença do tempo que chega sem permissão para testar a solidez do que foi edificado. Será de argila? Será de barro? Será de palha? Não se sabe, ardiloso senhor das seleções naturais! Ainda existe aqui os declínios e retas postas e construídas por aqueles que condizem e que são os afins. Diga logo a notícia que remete ao passado. Traz todo fervor e o impacto de seu sopro. Você que concede dias para que haja estabelecimento, porém não divulga fórmulas ou roteiros. E agora aqui, explana todo o fervor da notícia sem ao menos perguntar se era bem vinda (apesar de sempre esperada). Saiu leve, rouca, com justificativas e necessidade de recorrência. O que não era esperado? Ou, o que esperava-se? A dúvida paira, a face ruboriza, o olho aperta, a mente recorre as íntimas lembranças e os fatos aparecem picados em cada lance das memórias. Esse tempo provido de astúcia e tão pouco benevolente que empurra a tão esperada e temida notícia! Derrepente parou, escutou os sons de seu tempo passado, escutou as imagens projetadas das íntimas lembranças em sua cabeça. O tempo retrucou e abriu um sorriso em raão do que encontrou após tanto tempo: haviam lágrimas, um sorriso manso, um olhar redentor, uma serenidade rodeada de questionamentos sóbrios, um caminho pintado com pinceladas nem sempre tão sóbrias. Traços realmente claros, as vezes efêmeros, mas extremamente sólidos. Do que foi feito tudo isso? Como conseguiu? Diz o tempo relutando. A resposta veio e apresentou-se, não com falas, mas com fisgadas do próprio tempo: é de pessoas, é de abraços, é de apertos e travessuras, é feito de mim, é conduzido por algo que supera o eu (algo que me pega na mão e me puxa correndo até esvair o que consome, como agora), é feito de algo que nem o tempo explica, simplesmente aparece quando os olhos desejam estar em todos os lugares e explodem com a imensa vontade de acontecer.

1 de jun. de 2011

Dona Rosa

Ao girar a chave na fechadura ouviu-se um ruído que simbolizava a abertura da porta. Ele estava em casa. Deparou-se com sua recém aquisição, uma árvore pequena plantada em um vaso decorado a mão de forma singela. Percebeu então que havia uma pétala nova que despontava para a esquerda, sentiu-se bem com a visão, simbolizava um cuidado reconhecido depois de dez dias. Deixou a mochila no quarto, despiu-se e foi para o banho. A água jorrava em seu corpo e proporcionava um relaxamento que possibilitava descaregar as energias. Preparou um lanche e pode por um instante repousar seu corpo na poltrona acondicionada próximo a janela que o permitia apreciar o mundo lá fora. Muita coisa fora do lugar, muita coisa no lugar. Era como seu lar que o chamava a todo instante com uma fome de caracterização. Havia excessivamente o que fazer naquele espaço pequeno onde morava, porém seu corpo não ajudava nas iniciativas. Ele queria apenas deitar e não pensar em nada. Percebeu que o lanche ficou esquecido em meio a tantas indagações. Apressou-se na degustação. Arrumou o lixo de forma a alojá-los em recipientes para coleta seletiva. Ousou sair de casa, com as mãos carregadas e as pernas apressadas em direção as lixeiras externas. Com o ato concluído olhou para o lado e viu uma senhora. Ela tinha um rosto ressecado, corpo pequeno e magro, cabelos cor de cobre. Ela também tinha uma necessidade de falar. E quando sentiu uma abertura começou a compartilhar sua história. Foi um monólogo longo, um monólogo onde não havia repetições de palavras, onde tudo era inédito. Então ele deixou-se escorregar até sentar ali mesmo na calçada ao lado dela. Ele observou as mãos dela que balançavam no ar regendo a história narrada. A fala era mansa, os olhos eram expressivos, a respiração as vezes atrapalhava uma palavra dita devido a necessidade de inspiração, porém não apagava a intensidade que ela trazia. E lá se foram quarenta minutos de uma narrativa intensa e bem articulada. Ao fim de sua fala, ela levantou, limpou a roupa com tapas repetidos e logo após lhe ergueu a mão (e logo ela que apresentava seus 70 anos e com uma imagem tão frágil), as mãos entrelaçaram e ele sentiu uma força erguendo seu corpo e lhe puxando para junto do peito. Sim, foi um abraço. Um abraço conclusivo, um abraço de obrigado por emprestar seus ouvidos, um abraço cedido para ele que sempre precisa de um abraço. Enfim ela sorriu, deixou emitir um som com o sorriso, colocou-se a andar e a seguir seu caminho. Ele ficou por uns instantes observando esses passos vagarosos, sistemáticos e harmônicos. Ele respirou profundamente, deixou emitir um som com a respiração, colocou-se a andar e a seguir apenas sem direção com seus passos largos, confusos e desarmônicos. Ele sentiu vontade de ser observado, assim como ele a observara. Ele virou levemente a cabeça e a viu parada o contemplando e acenando positivamente, com se tivesse lhe dizendo: - Chegue em casa, abra sua porta, aprecie sua árvore, prepare seu lanche e não esqueça de comê-lo. Apareça aqui sempre para deixar o lixo, para que eu possa usar seus ouvidos e sentir seu olhar e para que você possa ser erguido por minhas mãos e acolhido em meus abraços. E no final de tudo, ainda teremos tempo de comtemplar os passos um do outro na volta para casa.




"Escrevo como se estivesse dormindo e sonhando: as frases desconexas como no sonho. É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.... fica sempre a certeza de que se dormiu e se sonhou. Ainda bem que sempre existe outro dia. E outros sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas... Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la."
(Clarice Lispector)