3 de ago. de 2011

Manifesto de uma criança feliz!

(Sítio de Estivas - 2011)


Dudu não passava de uma criança ligeira em seus passos e falas e com um pensamento desbravador. Um excelente local para suas aventuras era o quintal de sua casa, que por primazia naquele tempo, era como uma fortaleza. Sua altura nada privilegiada fazia com que as coisas tornassem maiores do que pareciam ser. Ali em seu território, rodeado de árvores frutíferas, a construção de seu imaginário dava-se de forma natural. Recebia amigos, subiam em árvores, saboreavam as frutas, aventurando-se apanhá-las na mais exímia copa sem temer altura, o tempo ou o vento. Dentre seus companheiros mais ousados, um louva deus, estava no topo da pirâmide hierárquica. O louva deus vivia entre as violetas, seu local preferido, onde alimentava-se e refrescava-se entre as folhas úmidas. Com sua tonalidade verde atendia aos chamados por gesto da criança, saltando nos ombros e entrando em seus carrinhos feitos a mão com sabugos de milho, madeiras velhas, sobre rodas do fruto da lobeira. Naquele tempo a criatividade floria e estampava esse ambiente, trazendo para o real as mais belas ações e sorrisos de uma era. Por falar em sorriso, este ainda era mais fervoroso e acompanhado por gargalhadas, quando  o Vô chegava de seu trabalho com passos calmos, compassados, nem sempre rítmicos, mas sinceros. Esse senhor, já com as cicatrizes do tempo e do ofício, trazia consigo uma fala rouca que encantava o neto, que era capturado e atraído como um peixe para a rede. Mesmo cansado conseguia projetar-se em direção a Dudu em cócegas, a esfregar-lhe a barba ruiva e a oferecer-lhe o que restara da marmita levada para a lida. Era a melhor refeição do dia. Com o rosto esculpido de feijão, Dudu alimentava-se com esse amor de Vô e com o pouco que restara naquele recipiente, deixado de forma proposital, senão para ver o sorriso dessa criança, o melhor dos pratos e dos alimentos. Uma perfeita simbiose refletida novamente pelas gargalhadas de ambos por todo o espaço. Nessa época podia-se ser o que quisesse: super herói, caminhoneiro, pescador, lenhador, fazendeiro. Era apenas dizer: - Hoje vou ser isso! E pronto. O "isso", tornava-se ardente e pulsante até o fim da brincadeira. E esse Vô ajudou em todos esses processos de construção. Essa gaiola de idéias pode ser aberta graças ao velho de barba ruiva com sua marmita reservada para o neto com tanto zelo. Um gesto simples e repleto de significados. As vezes ele chegava de mansinho e observava a correria entre as árvores do quintal. De vez ou outra ficava jogando pedrinhas provocativas entre as folhas secas para assustar todas as crianças, que já eram revestidas por um universo de aventuras. Ao fim do dia, a mãe chamava para o banho, nova chamada em tom voraz repete-se, até que Dudu limpando o nariz com braço direito apresenta-se rodeado de manchas provenientes das aventuras em sua selva particular. O banho é tomado, e aquela criança repousava em seu quarto. Sua cabeça ainda em sintonia com o universo fazia com a que a respiração ficasse profunda até seu sono acolhe-lo e levá-lo para outras margens de sonhos, dando continuidade ao projeto pelo qual veio ao mundo: Ser Feliz!!! Vovô vendo todos aqueles cachos repousarem no pequeno travesseiro refletia sobre uma frase de George Eliot: "Nunca é tarde demais para ser o que você poderia ter sido". - Boa noite meu querido!

7 comentários:

  1. Obrigado por descrever minha infância! Genial!

    ResponderExcluir
  2. De nada rapazim... é assim... de todos nós... abraços

    ResponderExcluir
  3. Adoro bocas infantis esculpidas de feijão!
    E amo vovôs e sonos de criança!

    Simplesmente adorável revisitar meus tantos quintais, minhas brincadeiras...

    ResponderExcluir
  4. Pois é Elô, eu tbm tenho saudades de meus tantos quintais... e como!!!

    ResponderExcluir
  5. Genialmente você, através do Dudu deu vida as minhas lembranças e me fez arrepiar de tamanha sensibilidade na descrição do fenômeno mais sublime da humanidade...a infância! Lindooooo!!! To morrendo de saudades!

    ResponderExcluir
  6. Ohh minha querida... Dudu realmente remete a esse tempo... bjos..

    ResponderExcluir
  7. Volta, vem viver outra vez ao meu lado... Retorne e nos dê o prazer de sua simples presença... presença simplesmente... BJS

    ResponderExcluir